Por Nate Anderson, no Ars Technica
No dia 15 de fevereiro, a indústria cinematográfica, os estúdios de cinema, as empresas que fazem video games e as que desenvolvem software corporativos apresentaram ao governo americano, com fazem todos os anos, um enorme relatório. O relatório é parte do processo americando Especial 311 e é uma ferramenta fundamental para elaborar uma lista de países a serem pressionados, pelos Estados Unidos, para adotar leis de propriedade intelectual. A versão deste ano argumenta que a pirataria é, hoje, em muitos países, um produto do crime organizado (PDF). E alega que os DVDs piratas valem mais que cocaína.
Essas alegações são reiteradas, todos os anos, mas um novo estudo, financiado pelo Canadá e pela Ford Foundation, e fundamentado por pesquisas de campo ao redor do mundo, mostra que elas não não verdadeiras. Na verdade, longe de gerar grandes lucros, a pirataria comercial está sob a mesma pressão sofrida pela distribuição legal de conteúdo: o compartilhamento livre por meio da internet. E sobre as drogas... bom, há um motivo pelo qual as gangs na série The Wire [sobre tráfico de drogas nas ruas de Baltimore] não vendiam cópias do Homem Aranha 3. Simplesmente não dá tanto lucro.
Associação
O mais recente relatório Especial 301 elaborado pela indústria não é tímido ao fazer afirmações abrangentes sobre a pirataria e o crime organizado. Veja o seguinte enunciado, retirado de uma nota de rodapé do relatório:
* A pirataria foi tomada, em muitos países, por sindicatos do crime organizado; isso inclui tanto a pirataria de bens físicos quanto a digital… Um estudo de março de 2009 pesquisou os laços entre o crime organizado e a pirataria de filmes, em 14 estudos de caso detalhados de pirataria de filmes, e mostrou evidências convincentes de uma conexão ampla e geograficamente dispera entre a pirataria e o crime organizado. Documentando casos na América do Norte e na Europa, o relatório dá os contornos do envolvimento do crime organizado com a pirataria de filmes na América do Sul, Rússia e muitas partes da Ásia...
* O estudo mostrou que a margem de lucro da pirataria de DVDs (uma atividade de relativo baixo risco) é muito maior do que a do tráfico de cocaína e de heroína. O setor privado não tem as ferramentas, nem a autoridade dentro dos países, para investigar o crime organizado e lutar contra ele. Além disso, esses grupos organizados ou outros piratas comerciais podem se tornar violentos, e representantes de empresas foram, em alguns países, ameaçados de morte, sofreram intimidação física ou foram feridos em ataques enquanto investigavam a pirataria, e isso impediu a atividade de coação do setor em vários casos. Assim, são os governos que precisam se preparar para este desafio.
Essa virou a retórica padrão. O estudo de 2009 ao qual me referi acima foi feito pela RAND Corporation e se chama "Pirataria de filmes, Crime Organizado e Terrorismo"(PDF). O relatório foi financiado pela indústria cinematográfica e a maior parte de seus dados primários veio de alguém "que trabalhou como consultor sobre crime organizadopara [para a Motion Picture Association]."
Na abertura do estudo, alega-se que a pirataria de DVD "tem uma margem de lucro maior do que as drogas e um risco mínimo de represssão", o que o torna "atraente, em todo o mundo, como um elemento de portfólios do crime, onde também há drogas, lavagem de dinheiro, extorsão e tráfico humano."
E não são somente as quadrilhas de drogas; "a pirataria é atraente não apenas para o crime organizado, mas também para terroristas, em particular para participantes oportunistas de células locais de terrorismo."
Alguns anos atrás, o lobby global da música divulgou seu próprio relatório (PDF), chamado "Pirataria de Música: Séria, Violenta e Crime Organizado".
"As provas estão disponíveis, e estudos de caso neste folheto demonstram as conexões entre a pirataria de música e outros crimes, como o tráfico de pessoas, a lavagem de dinheiro, a violência, o contrabando de drogas e o terrorismo," diz.
Mas isso é verdade? Depois de três anos trabalho, com 35 pesquisadores, o novo estudo não encontrou "nenhuma evidência" de que há links sistemáticos entre a pirataria e o crime organizado ou o terrorrismo. E sobre o argumento de que os DVDs são melhor negócio do que os narcóticos, o estudo traz uma palavra: "implausível."
Melhor que drogas
Veja o argumento de que DVD-são-melhores-que-drogas. Os autores do relatório Social Science Research Council (SSRC), "Pirataria de Mídia em Países Emergentes", dizem que é "um argumento implausível que vem circulando na literatura produzida pela indústria pelo menos desde 2004."
Eles seguem a pista dessa história até um artigo publicado em 2001 por uma revista francesa, onde se diz que um quilo de CDs vale mais que um quilo de maconha. A Interpol concordou com a afirmação em 2003, e desde então "isso levou a começou uma longa sequência circular de citações nos relatórios da indústria."
Os autores atualizam a alegação ao comparar um quilo de maconha em Nova York (valor de rua, US$ 30 mil)com um quilo de DVDs pirata (65 DVDs, a cerca de US$ 5,00 cada um ou U$ 325,00). Parte da pirataria era lucrativa no início dos anos 2000, mas "não achamos prova de que a pirataria, fora de alguns nichos de mercado, seja ainda um negócio de alta margem de lucro," concluem.
Os autores também são céticos a respeito de maiores ligações entre o crime organizado, o terrorismo e a pirataria — ainda que essa conexão dependa, em grande parte, do que se entende por "crime organizado."
* A pirataria em escala comercial é ilegal e sua cadeia de produção e de fornecimento demanda, invariavelmente, organização. Nesse sentido, ela pode ser colocada dentro de uma definição muito ampla de crime organizado. A venda de CDs e DVDs piratas, além disso, na maior parte das vezes se concentra em áreas de periferia e mercados informais, onde outras atividades ilegais ocorrem. Esse contexto cria pontos de intesecção entre a economia da pirataria e arranjos da economia informal mais amplos, ilegais ou na fronteira da legalidade. Seria estanho se isso não acontecesse. Mas não achamos evidência de ligações sistemáticas entre a pirataria de mídia e outras formas mais sérias de crime organizado, muito menos com o terrorismo, em nenhum dos países que fazem parte de nosso estudo.
Os estudos em cada país contaram com a participação, em muitos casos, de pesquisadores com uma familiaridade antiga com suas regiões. No México, por exemplo, um autor escreve que esteve em contato com grupos de vendedores de rua "por vinte anos" e critica o relatório RAND por se apoiar, aparentemente, "somente em matérias de jornais e em entrevistas com representantes da indústria do copyright" ao fazer seu trabalho.
O relatório RAND registra que em países como a China ou a Rússia, "investigações de campo são difíceis ou perigosas, ou ambos, então fomos obrigados a nos apoiar mais relatos publicados." O capítulo do SSRC sobre a Rússia, em contraste, se apoia em:
* Trabalho de campo em São Petesburgo, realizado por Sezneva, Pachenkov, e Olympieva em 2008 e 2009
* Vinte entrevistas com advogados da indústria, juízes e especialistas em direito e representantes de organizações não-governamentais e não-empresariais envolvidos na aplicação da lei
* Entrevista com um grupo de foco de consumidores de conteúdo não licenciado de São Petesburgo, realizada em março de 2009
* Um levantamento feito, no final de 2008, com 300 consumidores de DVDs em Irkutsk
* Análise do conteúdo de fóruns online e da mídia russa
* Contribuições de pesquisadores de economia e indústria, especialmente Anatoly Kozyrev
* Uma enorme variedade de fontes secundárias
O estudo do SSRC, com mais de 450 páginas [cerca de 70 sobre o Brasil], é nada menos que completo.
Competindo com o grátis
Uma das conclusões intrigantes do relatório é que mesmo o comércio de conteúdo pirateado está complicado, hoje. A pirataria fazia dinheiro quando os dispositivos para imprimir CDs e DVDs eram raros e caros; ficou menos lucrativa qunado equipamentos para queimar CDs e DVDs se tornaram commodities. Hoje, sob pressão da distribuição em redes P2P, a pirataria de discos ópticos em países desenvolvidos está "praticamente eliminada" e em outros países a margem de lucro é estreita.
"Cada vez mais os piratas comerciais enfrentam o mesmo dilema da indústria legal", diz o relatório, "como competir com algo que é gratuito".
Em um trabalho muito citado de 2008, Julian Sanchez se debruçou sobre o argumento de que a violação de propriedade intelectual eliminou 750 mil empregos e custou à indústria americana de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões. Os números são "totalmente falsos", descobriu Sanchez, mas foram repetidos em artigos, como se fossem reais, por duas décadas. Desde o trabalho de Sanchez, esse argumento deixou de aparecer em muitos artigos pro-propriedade intelectual. Já não é hora, também, de desistir da retórica mais inflamada sobre "terrorismo" e o tráfico de drogas?
http://www.ancine.gov.br/media/SAM/AnosAnteriores/Distribuidoras/108.pdf
http://www.uniblog.com.br/fama/322352/confira-o-rankig-das-maiores-produtoras-de-filmes-do-mundo.html
No dia 15 de fevereiro, a indústria cinematográfica, os estúdios de cinema, as empresas que fazem video games e as que desenvolvem software corporativos apresentaram ao governo americano, com fazem todos os anos, um enorme relatório. O relatório é parte do processo americando Especial 311 e é uma ferramenta fundamental para elaborar uma lista de países a serem pressionados, pelos Estados Unidos, para adotar leis de propriedade intelectual. A versão deste ano argumenta que a pirataria é, hoje, em muitos países, um produto do crime organizado (PDF). E alega que os DVDs piratas valem mais que cocaína.
Essas alegações são reiteradas, todos os anos, mas um novo estudo, financiado pelo Canadá e pela Ford Foundation, e fundamentado por pesquisas de campo ao redor do mundo, mostra que elas não não verdadeiras. Na verdade, longe de gerar grandes lucros, a pirataria comercial está sob a mesma pressão sofrida pela distribuição legal de conteúdo: o compartilhamento livre por meio da internet. E sobre as drogas... bom, há um motivo pelo qual as gangs na série The Wire [sobre tráfico de drogas nas ruas de Baltimore] não vendiam cópias do Homem Aranha 3. Simplesmente não dá tanto lucro.
Associação
O mais recente relatório Especial 301 elaborado pela indústria não é tímido ao fazer afirmações abrangentes sobre a pirataria e o crime organizado. Veja o seguinte enunciado, retirado de uma nota de rodapé do relatório:
* A pirataria foi tomada, em muitos países, por sindicatos do crime organizado; isso inclui tanto a pirataria de bens físicos quanto a digital… Um estudo de março de 2009 pesquisou os laços entre o crime organizado e a pirataria de filmes, em 14 estudos de caso detalhados de pirataria de filmes, e mostrou evidências convincentes de uma conexão ampla e geograficamente dispera entre a pirataria e o crime organizado. Documentando casos na América do Norte e na Europa, o relatório dá os contornos do envolvimento do crime organizado com a pirataria de filmes na América do Sul, Rússia e muitas partes da Ásia...
* O estudo mostrou que a margem de lucro da pirataria de DVDs (uma atividade de relativo baixo risco) é muito maior do que a do tráfico de cocaína e de heroína. O setor privado não tem as ferramentas, nem a autoridade dentro dos países, para investigar o crime organizado e lutar contra ele. Além disso, esses grupos organizados ou outros piratas comerciais podem se tornar violentos, e representantes de empresas foram, em alguns países, ameaçados de morte, sofreram intimidação física ou foram feridos em ataques enquanto investigavam a pirataria, e isso impediu a atividade de coação do setor em vários casos. Assim, são os governos que precisam se preparar para este desafio.
Essa virou a retórica padrão. O estudo de 2009 ao qual me referi acima foi feito pela RAND Corporation e se chama "Pirataria de filmes, Crime Organizado e Terrorismo"(PDF). O relatório foi financiado pela indústria cinematográfica e a maior parte de seus dados primários veio de alguém "que trabalhou como consultor sobre crime organizadopara [para a Motion Picture Association]."
Na abertura do estudo, alega-se que a pirataria de DVD "tem uma margem de lucro maior do que as drogas e um risco mínimo de represssão", o que o torna "atraente, em todo o mundo, como um elemento de portfólios do crime, onde também há drogas, lavagem de dinheiro, extorsão e tráfico humano."
Alguns anos atrás, o lobby global da música divulgou seu próprio relatório (PDF), chamado "Pirataria de Música: Séria, Violenta e Crime Organizado".
"As provas estão disponíveis, e estudos de caso neste folheto demonstram as conexões entre a pirataria de música e outros crimes, como o tráfico de pessoas, a lavagem de dinheiro, a violência, o contrabando de drogas e o terrorismo," diz.
Mas isso é verdade? Depois de três anos trabalho, com 35 pesquisadores, o novo estudo não encontrou "nenhuma evidência" de que há links sistemáticos entre a pirataria e o crime organizado ou o terrorrismo. E sobre o argumento de que os DVDs são melhor negócio do que os narcóticos, o estudo traz uma palavra: "implausível."
Melhor que drogas
Veja o argumento de que DVD-são-melhores-que-drogas. Os autores do relatório Social Science Research Council (SSRC), "Pirataria de Mídia em Países Emergentes", dizem que é "um argumento implausível que vem circulando na literatura produzida pela indústria pelo menos desde 2004."
Eles seguem a pista dessa história até um artigo publicado em 2001 por uma revista francesa, onde se diz que um quilo de CDs vale mais que um quilo de maconha. A Interpol concordou com a afirmação em 2003, e desde então "isso levou a começou uma longa sequência circular de citações nos relatórios da indústria."
Os autores atualizam a alegação ao comparar um quilo de maconha em Nova York (valor de rua, US$ 30 mil)com um quilo de DVDs pirata (65 DVDs, a cerca de US$ 5,00 cada um ou U$ 325,00). Parte da pirataria era lucrativa no início dos anos 2000, mas "não achamos prova de que a pirataria, fora de alguns nichos de mercado, seja ainda um negócio de alta margem de lucro," concluem.
Os autores também são céticos a respeito de maiores ligações entre o crime organizado, o terrorismo e a pirataria — ainda que essa conexão dependa, em grande parte, do que se entende por "crime organizado."
* A pirataria em escala comercial é ilegal e sua cadeia de produção e de fornecimento demanda, invariavelmente, organização. Nesse sentido, ela pode ser colocada dentro de uma definição muito ampla de crime organizado. A venda de CDs e DVDs piratas, além disso, na maior parte das vezes se concentra em áreas de periferia e mercados informais, onde outras atividades ilegais ocorrem. Esse contexto cria pontos de intesecção entre a economia da pirataria e arranjos da economia informal mais amplos, ilegais ou na fronteira da legalidade. Seria estanho se isso não acontecesse. Mas não achamos evidência de ligações sistemáticas entre a pirataria de mídia e outras formas mais sérias de crime organizado, muito menos com o terrorismo, em nenhum dos países que fazem parte de nosso estudo.
Os estudos em cada país contaram com a participação, em muitos casos, de pesquisadores com uma familiaridade antiga com suas regiões. No México, por exemplo, um autor escreve que esteve em contato com grupos de vendedores de rua "por vinte anos" e critica o relatório RAND por se apoiar, aparentemente, "somente em matérias de jornais e em entrevistas com representantes da indústria do copyright" ao fazer seu trabalho.
O relatório RAND registra que em países como a China ou a Rússia, "investigações de campo são difíceis ou perigosas, ou ambos, então fomos obrigados a nos apoiar mais relatos publicados." O capítulo do SSRC sobre a Rússia, em contraste, se apoia em:
* Trabalho de campo em São Petesburgo, realizado por Sezneva, Pachenkov, e Olympieva em 2008 e 2009
* Vinte entrevistas com advogados da indústria, juízes e especialistas em direito e representantes de organizações não-governamentais e não-empresariais envolvidos na aplicação da lei
* Entrevista com um grupo de foco de consumidores de conteúdo não licenciado de São Petesburgo, realizada em março de 2009
* Um levantamento feito, no final de 2008, com 300 consumidores de DVDs em Irkutsk
* Análise do conteúdo de fóruns online e da mídia russa
* Contribuições de pesquisadores de economia e indústria, especialmente Anatoly Kozyrev
* Uma enorme variedade de fontes secundárias
O estudo do SSRC, com mais de 450 páginas [cerca de 70 sobre o Brasil], é nada menos que completo.
Competindo com o grátis
Uma das conclusões intrigantes do relatório é que mesmo o comércio de conteúdo pirateado está complicado, hoje. A pirataria fazia dinheiro quando os dispositivos para imprimir CDs e DVDs eram raros e caros; ficou menos lucrativa qunado equipamentos para queimar CDs e DVDs se tornaram commodities. Hoje, sob pressão da distribuição em redes P2P, a pirataria de discos ópticos em países desenvolvidos está "praticamente eliminada" e em outros países a margem de lucro é estreita.
"Cada vez mais os piratas comerciais enfrentam o mesmo dilema da indústria legal", diz o relatório, "como competir com algo que é gratuito".
Em um trabalho muito citado de 2008, Julian Sanchez se debruçou sobre o argumento de que a violação de propriedade intelectual eliminou 750 mil empregos e custou à indústria americana de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões. Os números são "totalmente falsos", descobriu Sanchez, mas foram repetidos em artigos, como se fossem reais, por duas décadas. Desde o trabalho de Sanchez, esse argumento deixou de aparecer em muitos artigos pro-propriedade intelectual. Já não é hora, também, de desistir da retórica mais inflamada sobre "terrorismo" e o tráfico de drogas?
http://www.ancine.gov.br/media/SAM/AnosAnteriores/Distribuidoras/108.pdf
http://www.uniblog.com.br/fama/322352/confira-o-rankig-das-maiores-produtoras-de-filmes-do-mundo.html